sexta-feira, 7 de outubro de 2011


Reflexões sobre o livro A Dimensão Espiritual do Eneagrama

Peço perdão aos meus visitantes, pois não consta aqui nenhum outro texto sobre o eneagrama e vou fazer referências em “eneagramês”, mas acho que para os que já leram o livro, poderá servir de reflexão. Vou assumir uma postura crítica com relação ao livro, já que os pontos fortes do estudo do eneagrama são muitos, vou me ater aos pontos que considero fracos ou perigosos, uma atitude tipicamente 1 e 6.
Comecei a ler o livro A Dimensão Espiritual do Eneagrama de Sandra Maitri com uma grande expectativa. Uma década atrás o eneagrama tinha sido uma das ferramentas mais poderosas que entrei em contato, junto com homeopatia, florais, budismo e um monte de coisas que aos poucos foram me convertendo de estudante de direito em terapeuta.
A introdução do livro começa com uma idéia de que não é a experiência familiar de cada tipo que vai definir sua tipologia, mas que esse é um problema mais complexo segundo a autora, por exemplo, isso não explica quando irmãos têm experiências parentais completamente diferentes. Ou sejam são filhos dos mesmos pais, mas são tipos diferentes. Vale a célebre frase de Sartre: “não importa o que nos acontece, mas como reagimos a ela.” Ela levanta uma hipótese genética da tipologia que me parece ser possível dentro das pesquisas de psicologia evolutiva e da moderna neurociência. Complicado isso, mas diferente da proposta por Naranjo e me pareceu bem origina. Infelizmente não durou a minha animação, logo depois ela vai e afirma que a personalidade vem na “idéia da mãe sobre o filho” e vem no “leite manterno”, uma pena.
Ela introduz rapidamente, ainda no ínício do livro, a noção de idéia divina, que parece nova, e diz ter vindo doAlmaas, pra Idéia divina do Ser parece ainda está dentro do sistema do eneagrama, sendo uma extrapolação das “virtudes do tipo”, é uma visão muito ainda dentro do eneagrama, não é uma superação apenas uma dimensão literalmente idealista do tipo.
modelo eneagrama sandra
Mesmo superando o sofrimento original do tipo, ainda é preciso superar o nível de progamação do eneagrama, partindo para sistemas de leis mais amplas do que as leis que regem o eneagrama. No exemplo do quarto caminho, caminha-se entre os mundos e leis de complexidade, sendo o eneagrama expressão dessas leis numéricas. Quando mais leis, mais restrita a experiência de mundo, ou seja, menos ação livre.
Não vejo nada demais no conteúdo em si, ela simplesmente pegou o que Naranjo ensinou e não publicou, mas a sua experiência no grupo de trabalho do eneagrama com Naranjo e explorou com idéias meio “nova era” do tipo, essência, alma, Ser, idéia, natureza da alma, sem definir o que vem a ser essas coisas. Mas a intenção pareceu-me ser muito boa, embora supeficial.
Uma idéia apresentada no livro que eu não gosto é essa de identificar com a infância os estados transpessoais da experiência. A idéia de paraíso perdido, de queda do ser, que o Naranjo chama de obscurecimento ôntico, ou esquecimento do ser, embora ache que são noções com nuances bem diferentes eu passei a compreender que são bem problemáticas. Eu durante muito tempo cultivei essa idéia de paraíso perdido, (sobre o tema recomendo um livro do Pierre Weil chamado a neurose do paraíso perdido) de perda da essência. Em Freud, por exemplo, a idéia de viver essa experiência do Ser, está ligada a noção de regressão infância, ao narcisismo primário, facilmente confundido com o que a autora apresenta, mas pra Freud, e eu concordo com ele em parte, isso é uma experiência narcisista, ou seja volta-se sobre si mesmo e retorna a experiências pré-egoicas descritas como oceânicas ou uterinas, de indiferenciação. Jung vai pro extremo oposto, considera que todas as imagens emergentes são transpessoais, ou seja, arquetípicas. Enquanto Freud leva todas as experiências para o nível pré-egoico, infantil, Jung as considera trans-egoicas, acho que os dois extremos são precisam ser diferenciados e podem ocorrer durante o estudo do eneagrama ou seu uso na prática clínica.
A idéia do texto, de retorno ao ser perdido, reencontro da criança anímica, do eu verdadeiro perdido em algum momento é muito ingênua. É claro que os níveis transpessoais da experiência são níveis de organização mais complexos e profundos, ou altos se preferir, e não se tratam de regressões narcisistas a estados de indiferenciação. Ao contrário, são processos de diferenciação e integração com o corpo, com emoções com pensamentos e depois com a emergência de um pensamento transverbal e não-dual. Eu reafirmo essa crítica porque anos atrás, eu confundia muito esse tema e não percebia essas nuances.
Outra questão séria, que pra mim é um erro perigoso e “nova era” é querer desintegrar o Ego, essa abordagem é extremamente perigosa e pode gerar graves estados de desequilíbrios psicológico. É praticamente uma proposta e convite a pessoa entrar num estado psicótico, a idéia de destruir o ego, ver o ego como inimigo, como falso eu. Não há porque “desintegrar” o ego, mas colocá-lo a “ser-viço do Ser”, capaz de refletir a dimensão noética, transpessoal, cósmica, ir além do ego. Cuidado com isso de desintegrar o ego, o que pode acontecer de verdade é isso acarretar uma cisão da personalidade, enquanto o caminho da ampliação da consciência é um caminho de reintegração e integração, ou até “entregação”,
Concordo muito com idéia de que o 9 é a porta de entrada e de saída do eneagrama. Embora ela não chegue a afirmar isso, dá pistas nesse sentido. Em geral a apresentação e a importância dada dos tipos triangulares na gênese das fixações é bem interessante, mas fica faltando descrever o caminho pra fora disso que na minha opinião passa também pelo triangulo também.

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